quinta-feira, 7 de outubro de 2010

As eleições e farsa: uma história recorrente

Era o ano de 1989. Lula, candidato pelo PT e seu adversário, Collor pelo PRN. No último debate da Globo, veio o que seria a facada mortal para eleição do metalúrgico: Collor afirma que Lula irá confiscar a poupança da população. No dia seguinte ao debate, montagem realizada pela Rede Globo acentua o medo. Spots da farsa são transmitidos e retransmitidos.

O resultado é que, amendrontados com a possível perda de suas economias guardadas com esforço naqueles anos de inflação galopante, o voto libertador não acontece. Collor é eleito com cerca de 49% dos votos. Após tomar posse no dia 15 de março de 1990 sua ministra da economia, Zélia Cardoso de Mello, anuncia no dia 16 de março o plano para tentar conter a inflação denominado Plano Brasil Novo, que passou a ser chamado de Plano Collor. A ideia foi bloquear, por 18 meses, os saldos superiores a NCz$ 50 mil nas contas correntes, de poupança e demais investimentos. Era o confisco que ele atribuíra à Lula no debate.

Hoje, a história se repete. O enredo não é o mesmo, mas o roteiro segue a mesma linha ação: atribuir ao adversário, Dilma Roussef, ações que serão implantadas pelo opositor - no caso em questão o candidato do PSDB José Serra.

Simples ilação? Pois vejamos.

Quando Ministro da Saúde do Governo FHC, Serra assinou em 1998 a norma para " Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra as mulheres". O texto normatiza a conduta médica a ser realizada em procedimentos para o aborto em mulheres que sofreram violência sexual. O documento está disponível em vários sítios da internet como por exemplo em http://www.simboragora.com/2010/10/jose-serra-assinou-lei-do-aborto-como.html.

Em 21 de dezembro de 2009, Lula aprova o Decreto 7037 que trata do Programa Nacional de Direitos Humanos que está disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7037.htm.

O documento é apresentado como roteiro para "seguirmos consolidando os alicerces desse edifício democrático: dialógo permanente entre Estado e sociedade civil; transparência em todas as esferas de Governo; primazia dos Direitos Humanos nas relações internas e intrenacionais; caráter laico do Estado (grifo meu); fortalecimento do pacto federativo; universalidade, indivibisilidade ee intredependência dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais; opção clara pelo desenvolvimento sustentável; respeito à diversidade; combate às desiguladades; erradicação da fome e da extrema pobreza".

Apresentação do PNDH-3 pode ser obtida em http://portal.mj.gov.br/sedh/pndh3/pndh3.pdf

Nas 25 diretrizes constantes do documento,nem mesmo nos objetivos estratégicos apresentados no documento anterior a palavra "aborto" pode ser encontrada. Então, porque os conservadores católicos se mostram tão resistentes ao PNHD-3?
O motivo está claro no texto da apresentação assinado por Lula : a diretriz de transformar o Brasil em um Estado de caráter laico, o que não agrada aos ministros da Igreja Católica nem os participantes da velha organização Tradição-Família-Propriedade (TFP).

É neste ponto do PNDH-3 que se prendem os adversários de Dilma Roussef. Certamente associam que um Estado laico é um Estado amoral.

Conforme o Professor da faculdade de Direito da UFMG, João Baptista Vilela " Não faz mal, enfim, recordar que moral vem do latim mos, moris, que significa "costumes". Os costumes se formam pelas práticas reiteradas das sociedades, o que supõe serem achadas, por algum motivo ou por vários, boas e merecedoras de acolhimento. Que as religiões atuem na formação dos costumes não é de estranhar. A separação entre o profano e o sagrado é muito mais produto de um esforço mental do que um processo descritivo e exato da complexa experiência humana. Onde está o homem, aí está a interrogação diante do mistério da vida. É, portanto, também o encontro com a transcendência, ainda que seja para negá-la. Pode-se discutir se o homem é ou não um ser naturalmente religioso. Mas não há dúvida de que, tanto quanto nasce livre, cresce, vive e morre sob a convocação permanente do juízo moral. Ser homem, com efeito, é ter consciência do poder de escolha. E são as escolhas que tecem as práticas sociais e fazem a história."

Diz ainda o professor José Batista: O Estado laico nasce com a Revolução Francesa, cuja divisa era justamente a tríade "liberdade, igualdade, fraternidade". O anticlericalismo notório dos arautos da Revolução Francesa não os impediu de proclamar, como seus, ideais que há muitos séculos faziam parte do mais indisputado núcleo das religiões cristãs. Quem pensa que igualdade, liberdade e fraternidade são uma descoberta da Revolução Francesa, certamente nunca leu as Epístolas de Paulo. Tampouco se pode acusar a República Federativa do Brasil de fazer proselitismo religioso porque o preâmbulo de sua Constituição afirma o compromisso com "uma sociedade fraterna".
(Artigo em http://www.ufmg.br/boletim/bol1506/segunda.shtml)

Portanto, os valores que permeiam a ação do Governo Lula, conforme definido no PNDH-3 em nada são contrários à moral que hoje permeia por toda sociedade brasileira.

Entretanto, para o grupo de poder hoje formado alguns por setores da elite econômica, religiosa, cultural a simples menção à construção de um Estado laico é associado a um modelo de socidade dissociado de qualquer valor.

Claramente apoiado por este grupo, José Serra compromete-se com os estamentos desta minoria e, junto com eles, declara sua guerra ao que se pode chamar de continuição do modelo Lula de efetiva conquista dos direitos e garantias fundamentais alencados na Constituição-Cidadã de 1998, que sempre foi anatematizada pelas forças conservadoras.

As armas deste grupo são as mesmas de sempre e se repetem de eleição em eleição, como é demonstrado no comparativo entre episódio do confisco da poupança x PNDH-3.

Portanto, àqueles que acreditam que Serra é o seu arauto, cuidado: assim como Collor, ele irá trair seu acordo e deixá-los à margem da estrada assim que ascender ao poder que ele tanto almeja.

Quanto aos que desejam a verdade e a liberdade, sugiro: instruam-se e informem-se. Nem tudo que a mídia ou panfletos apócrifos oferecem são a verdade. Construa ela você mesmo.

PS - Infelizmente, não consgui o vídeo que foi editado pela Rede Globo que selou o destino do então candidato Lula em 1989, mas ofereço o vídeo no qual a então Ministra Zélia Cardoso de Mello anuncia o confisco.

http://www.youtube.com/watch?v=7KHza2R-C-E